24 fevereiro 2006

Faço minhas as tuas palavras

A asneira é um direito inalienável
Por João Miguel Tavares

O direito à asneira é um pilar das sociedades livres e democráticas. Desde que não incitemos à violência ou difamemos o próximo, devemos ser livres de nos expressar como bem entendermos e de proferir as idiotices que nos trepam à cabeça. É por isso que encarcerar o britânico David Irving na Áustria só porque decidiu escrever uns livros foleiros sobre o Holocausto é uma tristeza imprópria de um país civilizado. Numa altura em que tanto se discute a legitimidade de publicar ou não os cartoons do profeta Maomé, é vergonhoso que um país europeu, que tantas dificuldades teve em lamber as feridas do nazismo, venha agora erguer o tabu do Holocausto para engaiolar um homem de 67 anos por afirmações que proferiu há quase duas décadas. Irving, hoje um historiador falido, desacreditado pelos colegas e um animador cultural de eventos de extrema-direita, está no direito de questionar a veracidade dos campos de extermínio e a morte de seis milhões de judeus. É estúpido, é desonesto, é de mau gosto - mas não deve ser proibido. De nada serve fazer dele um mártir da liberdade de expressão, um ícone dos neonazis ou uma desculpa para os fundamentalistas islâmicos e seus amigos acusarem o Ocidente de ter dois pesos e duas medidas. Nas ruas de Damasco deve andar gente a perguntar-se porque é que Auschwitz tem mais direitos do que Maomé. E, convenhamos, a pergunta não é inteiramente estúpida.Tendo resolvido há séculos o problema da separação entre o Estado e a Igreja, não faz qualquer sentido que a Europa ainda mantenha nos seus códigos penais a proibição de negar a existência das câmara de gás, recusar o genocídio dos judeus, editar o Mein Kampf ou preferir quaisquer outras blasfémias políticas, como se a História fosse Deus. Em tribunal, David Irving nem sequer foi capaz de assumir as ideias que defendeu toda a sua vida, acabando a fazer um mea culpa cobardolas para fugir a uma condenação de 10 anos de cadeia. Se esta era a força das suas convicções, não mereciam que se perdesse tanto tempo, dinheiro e paciência com elas.