20 agosto 2006

A 'emergência da vagina'

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É claro que os problemas de género têm hoje uma dimensão brutal. A reprodução passa a ser uma coisa minoritária na prática sexual e, portanto, há uma redefinição de papéis. Hoje, quando um homem encontra uma mulher, encontra uma mulher que é como ele, e ainda que ele continue a aparecer como tendo mais experiência, isso é uma ideia falsa. (...) Há coisas que não mudaram, um homem que tinha uma ejaculação prematura em 1975 é o mesmo que aparece hoje com ejaculação prematura, só que agora aparece mais. Antes, as companheiras comiam e calavam, hoje dizem: 'desculpa lá, mas isso não está bem, eu tive outros namorados e não era assim'. Podem dizê-lo e têm termos de comparação pessoais. O grande problema do erotismo é que, no meu tempo, era fácil, qualquer interdito ganhava uma dimensão erótica e hoje isso não existe. Esta é a grande dificuldade numa sociedade em que tudo está visível, aliás, sobrevisível.

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Eu diria que, não havendo tabus, ainda assim a mulher é educada de uma forma sexualmente responsável e o homem é educado de uma forma sexualmente irresponsável: erecção/ejaculação.

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Nuniguém pede que a sua namorada seja virgem, mas também ninguém quer que a namorada dê baldas ou que seja promíscua. Há limites. Enquanto nós, homens, só temos um travão - que é a mulher. Quando me dizem que a relação homossexual é promíscua, eu digo: é promíscua se são homens. Não tem a ver com a orientação sexual, tem a ver com o género - geralmente, os homens são promíscuos.

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Verifica-se que há uma contradição extraordinária entre a euforia mostrada nos media e a miséria sexual das pessoas. Fico a pensar se esta miséria não reflecte o facto de a mulher se ter cansado de um modelo sexual que não é o dela. (...) Acho que a próxima década vai assistir à emergência da vagina.

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Ninguém conhece a vagina como ela é. Conhece-se a forma do pénis, mas qual é a forma da vagina? O que se passa lá dentro durante todo o processo de excitação sexual? Por que é que só agora (e eu direi que muita gente continua a não saber) começa a saber-se o que é clítoris? (...) É um órgão de um poder brutal. (...) Ainda funciona como cette chose la. Um órgão que a própria mulher não conhece bem, que nunca viu nem explorou. (...) Ele ignora-o, ela ignora-o. (...)
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Francisco Allen Gomes, psiquiatra e sexólogo, in Notícias Magazine, 20 de Agosto de 2006.